sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Entrevista: Peter Pan


VIVENDO NA TERRA DO NUNCA


Em uma tarde de novembro de 2014, ao final de mais um dia de trabalho, me reuni com Emmanuel Manollo (designer e DJ) e o “grego” Nicolas Gomes (repórter fotográfico, guitarrista e videomaker) para entrevistar o paulista João Antônio Simões dos Santos, que se autointitula Peter Pan. Da mesma forma que o personagem criado pelo escocês James Matthew Barrie, João Antônio parece ter se recusado a crescer e a assumir as responsabilidades típicas de uma vida adulta. Ele aparenta preferir continuar vivendo em sua própria Terra do Nunca. Porém, sua vida nunca foi maravilhosa como a história que ganhou o mundo depois da adaptação para cinema feita pelos estúdios de Walt Disney. Ao contrário dos sonhos e aventuras, o Peter Pan que nasceu em Angatuba – e completa 59 anos em março – experimentou sofrimento, necessidade e abandono. Apesar de sobreviver nas ruas, pode-se considerar que João Antônio tem uma faceta que pode até ser considerada heroica. A princípio frequentando bibliotecas em São Paulo e depois recolhendo livros descartados por outras pessoas, ele construiu uma bagagem cultural surpreendente. Ávido leitor e dotado de raciocínio ágil, ele não se furtou a esgrimir golpes verbais afiados como respostas a perguntas com as quais não simpatizou. Convido vocês a conhecerem um pouco do que Peter Pan tem a dizer. (Roberto Homem - robertohomem@gmail.com)
  
SUPERPAUTA – Você é conhecido por qual nome?
PETER PAN – Peter Pan.
SUPERPAUTA – O que você faz da vida?
PETER PAN – Costumo tocar flauta. Sou um músico natural.
SUPERPAUTA – Quer dizer que você nunca estudou música. Aprendeu com a vida.
PETER PAN – Graças a Deus.
SUPERPAUTA – Por que o apelido de Peter Pan?
PETER PAN – Digamos que foi a noção nostálgica da humanidade que tentou dar um nome cabível a mim.
SUPERPAUTA – Além da flauta, seria também porque você gosta de usar boina? Peter Pan, o outro, usava um chapeuzinho verde com uma pena vermelha.
PETER PAN – Ninguém consegue controlar o destino. O destino me deu este apelido e eu não quero mudar.
SUPERPAUTA – Há quanto tempo você é Peter Pan?
PETER PAN – Há mais de vinte anos.
SUPERPAUTA – Você gosta de ser Peter Pan?
PETER PAN – Eu acho que não conseguiria ser outra coisa.
SUPERPAUTA – Você realmente se acha Peter Pan.
PETER PAN – Não. Eu sou o Peter Pan. Eu não me acho, eu sou. Mais do que Michael Jackson e outros bichos por aí.
SUPERPAUTA – Michael Jackson foi acusado de gostar de crianças de uma forma não recomendável, que resvalava na pedofilia. E você?
PETER PAN – Dizem que Michael Jackson usava as crianças. Eu gosto de ver que existem crianças. Para mim elas são apenas crianças, e não objeto de desejo. Aliás, nem com velha tenho me relacionado, quanto mais com crianças. O sexo não me atrai. Já me livrei desta cruz que vocês gostam de carregar.
SUPERPAUTA – Qual a sua idade?
PETER PAN – Cinquenta e sete anos. (NOTA: Ele tinha esta idade em 2014)
SUPERPAUTA – E já abdicou do sexo?
PETER PAN – Já. Você sabe o que o Nirvana? Eu já cheguei lá. Quando o homem consegue se realizar nos seus próprios sonhos e pesadelos, a carne é apenas um modo de ele continuar vivo. Já não representa tanto.
SUPERPAUTA – Quer dizer, no seu caso, que a carne pode continuar flácida sem problema.
PETER PAN – Também não é o caso. Não existe flacidez onde a dureza é permanente. “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”. Se eu fosse um bancário que me seduzisse pelos milhões, eu deixaria de ser bancário e me tornaria um ladrão.
SUPERPAUTA – Vamos voltar um pouco no tempo, na época em que você ainda não era Peter Pan. Qual o nome com o qual você foi registrado?
PETER PAN – João Antônio Simões dos Santos. Nasci em Angatuba, São Paulo. Foi a única cidade paulista que votou contra o uso de armas.
SUPERPAUTA – Nunca ouvi falar nesta cidade. Fica perto de onde?
PETER PAN – Rodovia Raposo Tavares, km 205. Embora ninguém me conheça na cidade, todo mundo me conhece. Se eu chegar lá, ninguém me conhece, mas todo mundo sabe quem eu sou.
SUPERPAUTA – Como foi a infância de João Antônio lá em Angatuba?
PETER PAN – Eu engraxava sapatos, vendia pirulitos...
SUPERPAUTA – Seus pais trabalhavam em que?
PETER PAN – Meu pai era pescador. Ele e minha mãe frequentavam a igreja católica. Eu também frequentei. Até meus sete anos, eu era uma criança que pouco sabia da vida. Meu pai, nessa época, fugia. Ele era antirrevolucionário. Na verdade, ele não defendia nenhum dos lados. Não queria a revolução, mas apenas viver a vidinha dele. Ele nem entendia direito o que estava acontecendo no país.
SUPERPAUTA – E sua mãe, fazia o que?
PETER PAN – Tentava me matar. Eu me defendia.
SUPERPAUTA – Por que ela tentava lhe matar?
PETER PAN – Por que eu chorava muito. Eu era recém-nascido.
SUPERPAUTA – Me corrija se tiver interpretado errado: você nasceu em um momento inoportuno. O casamento já tinha acabado...
PETER PAN – Já sabe tudo! Estou começando a achar que você sabe demais.
SUPERPAUTA – É que eu sou vidente.
PETER PAN – Evidentemente você é vidente. Evidentemente...
SUPERPAUTA – Esqueci de lhe dizer que sou quiromante, cartomante... Você também lê mãos?
PETER PAN – Longo caminho da linha da vida. Vai viver muito, faz até a curva! Aqui é a linha do amor. Foi traído, mas tem quem lhe ame.
SUPERPAUTA – Deixe eu ler a sua...
PETER PAN – Vamos ver se você sabe ler.
SUPERPAUTA – Por incrível que pareça, você é uma pessoa que goza de boa saúde. Porém, talvez por conta dos excessos, essa boa saúde está começando a definhar. Está vendo aqui? Observe a sua linha da vida e veja como ela vai se deteriorando...
PETER PAN - Não, isso aqui é um cravo.
SUPERPAUTA – É não. Isso aqui é a sua desgraça. Vai acontecer um problema com você.
PETER PAN – Já aconteceu e eu superei.
SUPERPAUTA – Aqui na linha da cabeça também vejo dias difíceis.
PETER PAN – Você não enxerga nada.
SUPERPAUTA – O problema que você superou foi mais emocional do que físico. Está aqui a marca.
PETER PAN – Não, não, não... Foi coisa de faca mesmo!
SUPERPAUTA – Posso ler o resto?
PETER PAN – Não. Agora chega. Você não sabe nada, está querendo inventar.
SUPERPAUTA – Se não sei de nada, por que o receio? Posso contar toda a verdade que vi na sua mão?
PETER PAN – Nem a pau.
SUPERPAUTA – Deixe eu dizer o que eu vi...
PETER PAN – Nem a pau.
SUPERPAUTA – Você sabe o que eu descobri...
PETER PAN – NÃO!!! CALA A BOCA!!! Não deixe o povo saber, se não vai ser real.
SUPERPAUTA – Então vamos continuar nossa entrevista. Onde a gente estava?
PETER PAN – Nos paradoxos. Sabe o que é um paradoxo? Sabe porque a minha mãe não me amava? Porque ela continuava amando o meu pai e eu era parecido com ele. Era um amor ao contrário.
SUPERPAUTA – Posso fazer uma pergunta crucial para a nossa entrevista? Sua mãe queria lhe matar...
PETER PAN – Meu pai não queria morrer...
SUPERPAUTA - ... você era realmente filho do seu pai?
PETER PAN – Procurei me manter fiel. Meu pai era revolucionário. Eu mantive a revolução. Minha mãe tentou me matar enquanto eu era inofensivo.
SUPERPAUTA – Você não quer responder se realmente era filho do seu pai. Está tergiversando.
PETER PAN – Você não fez a pergunta certa, no tempo certo.
SUPERPAUTA – Então, me ajude.
PETER PAN – Quando criança, sim. Mas depois passei a ser uma ameaça. Tentaram me matar de tudo o que foi jeito, mas não conseguiram.
SUPERPAUTA – Quais as formas? Você é muito persistente.
PETER PAN – Eu era deste tamanhozinho e morava dentro de uma caixa de sapatos. Chorava dia e noite. A condição financeira dos meus pais era péssima. Meu pai era bebum. Minha mãe cozinhava feijão, que era a única coisa que tinha para a gente comer. Misturávamos com farinha. Meu pai ia para o boteco e batia na minha mãe, quando voltava para casa. Minha mãe tentou me matar. Minhas irmãs não deixaram. Ela pegou a caixinha de sapatos, botou debaixo do braço e foi para o banheiro. Minhas irmãs impediram.
SUPERPAUTA – Qual a idade de suas irmãs quando isso aconteceu?
PETER PAN – Cinco e sete anos. Elas gritaram e pediram para minha mãe não fazer aquilo.
SUPERPAUTA – Onde suas irmãs estão hoje em dia?
PETER PAN – Uma delas, Fátima, foi locutora de um dos primeiros supermercados do Carrefour, em São Paulo. Não sei o que ela faz hoje. A outra, Silvia, está procurando vaga como doméstica. Está difícil. Ela tem mais de 60 anos.
SUPERPAUTA – Quer dizer que você sobreviveu à essa tentativa de assassinato...
PETER PAN – Sim, até que provem o contrário.
SUPERPAUTA – Sobreviveu ou escapou?
PETER PAN – Taí uma linha divisória bem difícil. Talvez eu tenha até morrido naquela época e nunca percebi. Dizem que praga de mãe nunca sai.
SUPERPAUTA – Você estudou?
PETER PAN – Sou autodidata. Aprendo qualquer coisa, a partir do momento em que eu quero. Fui o criador do vírus de computador, na era da informática. Nasci no dia 3 de março de 1957. Eu criei o vírus de 3 de março, que acabou com a informática e meteu o pau na IBM. (NOTA: o vírus Michelangelo, primeiro a repercutir na mídia, foi ativado em 1992, no dia 6 de março, dia do nascimento daquele artista renascentista. A partir daí, as vendas de antivírus decolaram. A participação de Peter Pan neste fato é crível apenas na Terra do Nunca).
SUPERPAUTA – Mas você não respondeu se algum dia estudou em escolas...
PETER PAN – Fui frequentador da Biblioteca de São Paulo.
Também estudei Paulo Coelho.
SUPERPAUTA – Paulo Coelho não tem nada a ensinar a ninguém... Como foi sua vida até os 15 anos de idade?
PETER PAN – Além de dormir no Arpoador e sair com Raul Seixas torrando dinheiro no Rio...
SUPERPAUTA – Explique como você saiu de São Paulo e apareceu no Rio de Janeiro.
PETER PAN – A pé. Conheço a Dutra toda. Eu estava afim de aventurar. Conheci um hippie que só comia cogumelos, mais nada. Chegou a ir para o hospital. Você não conheceu a malucada do Brasil...
SUPERPAUTA – O que você fez no Rio?
PETER PAN – Tomei drinque com o maestro Tom Jobim, com Toquinho...
SUPERPAUTA – Você procurou emprego no Rio? Tentou se aprumar na vida?
PETER PAN – Consegui, cara. Aliás, quis... Tentei arrumar emprego como taxista. Não deu certo porque eu não tinha carteira. Em São Paulo eu dirigia sem carta; no Rio, não. Em São Paulo dirigi cinco anos sem ser incomodado. No Rio, não.
SUPERPAUTA – Em que você já trabalhou?
PETER PAN – Vou tomar mais um gole de cerveja porque ela não está funcionando. Trabalhei por debaixo do pano.
SUPERPAUTA – Fazendo aborto?
PETER PAN – Sou a favor do aborto desde que a mulher não esteja grávida.
SUPERPAUTA – Você é muito ensaboado.
PETER PAN – A mulher não estando grávida, sou a favor do aborto.
SUPERPAUTA – Contanto que você faça o aborto...
PETER PAN – Claro que vou estudar muito bem a situação. Muita calma nessa hora. Pra quem não pode comer bacalhau, só sentir o cheiro já basta. Deixa eu dar uma fumada.
SUPERPAUTA – Fume logo dois de uma vez! Mas, responda: você nunca trabalhou fixo em nenhum lugar?
PETER PAN – Cara, eu nunca tive muito tempo disponível para uma atividade apenas. Eu sempre tive tanta coisa para fazer que não deu. (Risos). Não dá para fazer uma coisa só. É ser unilateral, é exigir demais. Se eu puder ser o guardião da verdade, vou ter que enxergar todos os parâmetros desta verdade.
SUPERPAUTA – Como se deu sua transferência do Rio de Janeiro para Brasília?
PETER PAN – Seria penúria demais vir a pé, então, vim de bike. Digamos que as atenções estavam voltadas para Brasília. Em 1986 foi assinado um tratado dizendo que haveria transporte de graça para todos os estudantes. Até hoje não foi cumprido, por que?
SUPERPAUTA – Provavelmente faltou tinta na caneta do primeiro signatário deste documento.
PETER PAN – Quer dizer que nem a caneta prestou nessa hora...
SUPERPAUTA – Documento sem assinatura não vale.
PETER PAN – Outra palhaçada é a Constituição não ter uma lei da mendigagem. A mendicância existe desde o começo da humanidade, foi a primeira profissão do ser humano. Depois foi que surgiu a prostituição.
SUPERPAUTA – Há controvérsias...
PETER PAN - É fácil de provar: primeiro você pede, depois é que tem que dar. O que significa E=mc2?
SUPERPAUTA – É a equação matemática que faz parte da teoria da relatividade.
PETER PAN – Significa que a energia é igual a massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz. Eu também sei.
SUPERPAUTA – O que você acha sobre o carma?
PETER PAN – Vá com “carma”... Vá com “carma”. Não tem jeito de andar sem “carma”. Ou vai com “carma”, ou não vai...
SUPERPAUTA – Carmicamente falando, você acha que sairá do planeta terra melhor?
PETER PAN – Você acha que eu vou na sua ou na minha opção? Você tem opções? Você acha que vou acompanhar o seu raciocínio? Eu sou “PHD”. Sou “phoda”, com “PHD”. Eu ainda não fiz a melhor parte, mas chegarei lá. Ninguém sabe o que eu ainda vou fazer. Tudo é relativo. Eu precisaria de dois filhos para ter motivo para ter um emprego.
SUPERPAUTA – Ah, então agora está justificado o fato de você não querer mais nada com sexo. Sem sexo, não nascerão os dois filhos que teoricamente fariam com que você precisasse trabalhar.
PETER PAN – Pela diretriz do seu questionamento, pode até ser. Mas, na realidade, eu já “tengo tantos hermanos que no los puedo contar”. (NOTA: Referência à canção Los Hermanos, de Atahualpa Yupanqui).
SUPERPAUTA – Você já esteve em outros países?
PETER PAN – Espiritualmente eu conheço todo o Peru. No Natal sonho com um peru na mesa. Só não posso exagerar no peru, porque a champanhe tem que ter seu espaço.
SUPERPAUTA – Ainda não ficou bem clara sua passagem pelo Rio de Janeiro...
PETER PAN – Fui pescador de mariscos lá na Urca. Eu não tinha uma mulher, frequentava os cabarés da Lapa. Cheguei em Brasília no ano em que a Zélia Cardoso abandonou o barco e deixou o Ministério na era Collor. Ela foi quem tirou Dilma Rousseff da cadeia. Ela era filha do secretário de Segurança de São Paulo quando a Dilma estava presa.
SUPERPAUTA – Essa sua conversa está sem futuro. Que história é essa? É mentira.
PETER PAN – Você não sabe disso? Sabe como ela conseguiu trabalhar com Collor? Só depois que Zélia tinha trabalhado na equipe de transição do governo. Ele nem sabia que ela era sua prima. Nenhum dos dois sabia do outro. Você sabe como foi criado o salário mínimo brasileiro?
SUPERPAUTA – Não.
PETER PAN – Foi depois de um jantar no Terraço Itália, em São Paulo. As autoridades pegaram o valor da despesa, dividiram por pessoa, e definiram como salário mínimo. Cada trabalhador receberia por mês o correspondente a um jantar de gala. Outra coisa que certamente você não sabe foi o que Delfim Netto falou na saída do Ministério: “a corrupção é uma forma de política”. Falou ali, ao vivo e a cores.
SUPERPAUTA – Mas como você chegou em Brasília?
PETER PAN – Vou falar igual ao JK: “cheguei de Galaxie, cheguei de Galaxie”...
SUPERPAUTA – Capriche aí nas respostas porque essa entrevista vai ser publicada na Internet e, provavelmente, em pouco tempo você estará sendo procurado pela produção de Jô Soares para participar do programa dele na Globo.
PETER PAN – PQP! Deixa ao menos Jô se recuperar da morte do filho dele.
SUPERPAUTA – Qual a diferença que você encontrou em Brasília, depois de ter morado no Rio e em São Paulo?
PETER PAN – É que aqui se chover eu me molho. Em compensação, se eu soltar meus raios, vou fazer trovões.
SUPERPAUTA – Você está vendo, aqui no gravador, que cada palavra que eu falo repercute nesta linha que registra a gravação? Isso significa a sua vida passando a conta-gotas.
PETER PAN – Uau! Poderia ser pior. Poderia ser um terremoto com registro alto na escala Richter.
SUPERPAUTA – E em Brasília, você faz o que?
PETER PAN – “Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”. (NOTA: Citando O que é o que é, de Gonzaguinha). Antigamente era bem melhor. Eu já tinha conhecidos por aqui. Trabalhei como mecânico. Sou capaz de construir uma nave espacial.
SUPERPAUTA – É capaz também de prever o futuro do Brasil?
PETER PAN - O Brasil só tem uma esperança: não esperar muito. “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. (NOTA: citação de Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré).


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